Vamos falar de novo sobre como equipamentos não são importantes?
Minha amiga Letícia Massula é cozinheira e já aprendi muito com ela. Por causa disso, sempre acabo fazendo comparações entre cozinhar e fotografar! Um dia, estava em sua casa enquanto ela dava um curso de como cozinhar coisas rápidas e gostosas para o dia-a-dia. Enquanto tentava ajudá-la e fazia algumas fotos, fiquei observando o curso em si (não sou boba nem nada.)
Ela deu dica de como descascar o alho, a ordem legal para refogar cada ingrediente, como trazer melhor o sabor de alguns alimentos, etc, etc. Então, disse: “Alguma pergunta?”
“Hm… Qual faca você acha legal pra eu comprar?”
“Vejo que você usa essa panela le creuset, é boa mesmo?”
“Esse descascador é o máximo, você comprou fora, né?”
Qualquer perfeita semelhança com as perguntas que as pessoas fazem para profissionais da fotografia não é mera coincidência :-)
“Hm… Qual câmera você acha legal pra eu comprar?”
“Vejo que você usa essa lente da série L da Canon, é boa mesmo?”
“Essa mochila é o máximo, você comprou fora, né?”
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Já fiz um infográfico respondendo a pergunta mais comum (Qual Câmera Comprar?). Esse post é informativo, mas gostaria de bater numa tecla sempre importante: este nosso fetiche por equipamentos melhores e maiores e mais incríveis e maravilhosos.
Sim, é claro que existem equipamentos melhores e piores. É impossível comparar uma tekpix ou cybershot-alguma-coisa com a melhor DSLR dos últimos tempos da última semana. Tanto quanto é impossível comparar a panela da feita-para-durar-dois-dias com uma le creuset.
Por que isso continua acontecendo se todo mundo sabe que a qualidade da câmera é irrelevante? Qualquer pessoa que gosta de fotografia sabe que uma foto depende de quem está segurando a câmera. Isso é dito e repetido em todos os cursos, todos os livros, todos os blogs e nos compartilhamentos de todas as redes sociais.
A gente sabe, mas mesmo assim fica babando na lente com listrinha vermelha da colega ao lado. Ficamos contando os dias e as moedinhas para comprar o último lançamento. Sabemos de tudo isso, mas 99% das perguntas de fotografia que me fazem têm a ver com equipamentos.
A gente sabe, mas esquece. Tô aqui pra lembrar (de novo.)
A câmera é uma ferramenta matemática
Enquanto não chegamos na era da inteligência artificial (coisa que não acredito que vá acontecer), as câmeras continuarão sendo só ferramentas. Sabe o que elas sabem fazer? Cálculos matemáticos. Sabe o que elas não sabem fazer? Todo o resto.
Uma câmera sabe até reconhecer um sorriso… mas ela não sabe fazer alguém sorrir :-)
Essa parte é nossa responsabilidade.
Mas e a qualidade? E os recursos?
Tem gente por aí que se importa com equipamento. Lembro claramente quando eu estava começando na fotografia e fui me oferecer para trabalhar como freelancer num estúdio. Durante a entrevista, o fotógrafo – super famoso e tradicional na minha cidade – me perguntou qual câmera eu usava. Respondi e ele comentou: “Ainda bem, tem gente que vem aqui com uma rebelzinha e quer fotografar casamento, onde já se viu!”
(Pra quem não conhece, Rebel é o nome dado às câmeras de uma linha da Canon considerada “amadora” – muitas aspas nisso aí, por favor.)
E é claro que se um dos fotógrafos mais importantes da minha cidade diz isso, eu vou repetir. Por muito tempo, repeti. Até que comecei a conhecer outras pessoas…
Conheci um cara que usava uma Rebel no seu estúdio. Ele trabalhava com moda, área em que é preciso fotos perfeitamente focadas e sem ruído, mas, graças às luzes do estúdio conseguia usar sempre ISO baixo e garantia a qualidade técnica esperada no ramo. Conheci uma fotógrafa que usa uma Rebel e uma lente 50mm para fotografar eventos e faz um trabalho incrível. Ainda hoje, durante meus cursos, vejo gente com milhares de reais em equipamentos não conseguindo fazer muita coisa só porque nunca leu o manual, e gente usando a tal da Rebel e fazendo fotos super significativas.
Uma câmera mais robusta e de mais qualidade pode ajudar na hora de trabalhar com fotojornalismo, foto de esportes ou astronomia. Mas raramente esse é o caso. Raramente quem tem dúvidas sobre o equipamento quer entrar nas áreas onde ele pode fazer uma diferença relevante.
Se importa com qualidade técnica? Ok. Pensa na lente!
Mesmo quem faz questão de considerar a qualidade técnica na hora de comprar uma câmera acaba esquecendo do mais importante: a lente!
Acho engraçado quando, na hora de comprar a câmera, cada detalhe parece um divisor de águas:
“ah, prefiro a câmera X porque ela tem um alcance dinâmico de 11.7 ao invés de 11.5 da câmera Y” (han?????)
Usando a mesma lente, uma câmera 10 vezes mais cara vai fazer praticamente a mesma foto que uma Rebel faz. Com um pouco mais de resolução e com menos ruído, sim – mas isso só dá pra notar a partir de uma impressão de 40x60cm – não no seu Facebook.
A câmera é o acessório da lente.
O melhor, mais fino, mais leve, mais rápido?
Seja câmera, carros ou viagens: sempre queremos mais e mais. É difícil não querer o melhor, oras bolas. As pessoas que lucram com isso aproveitam: a cada lançamento da Apple, os produtos estão “mais finos, mais leves, mais rápidos.”
Mas quase nunca precisamos de algo melhor. Quase sempre o troço tá fino, leve e rápido o suficiente. E mesmo quando precisamos, nem sempre dá pra comprar, porque pessoas normais não têm dinheiro saindo pelos poros :-)
Independente do caso, uma coisa é sempre certa:
O melhor equipamento é o que você tem agora.
Lide com as limitações (alguns equipamentos têm mais limitações que outros) e aprenda com isso. Saiba o que você pode e o que você não pode fazer com a sua câmera. Leia o manual. Pratique em casa com filhos e filhas, esposas e maridos, todo o seu círculo de amizades. Compare sua evolução com gente boa de verdade (não com todo mundo que você segue no Facebook.)
Não precisamos do melhor
Quando comecei este blog, usava uma câmera que já estava fora de linha há anos. Depois de usá-la por 3 anos, comprei uma versão atualizada da mesma linha. Continuei usando esta segunda câmera por quase meia década depois, mesmo que o mercado já tenha oficializado o fim de sua vida útil. Zé fini. E se o mercado disse que a vida da minha câmera acabou, só pode ser verdade né? Hm… Talvez não.
As duas câmeras sempre fizeram tudo que preciso. Rápidas o suficiente para os meus retratos, com ruído que gosto no ISO máximo que costumo usar, com um sensor ótimo que traz resultados maravilhosos para minhas impressões e usos online.
De que adianta eu querer uma câmera que não tenha nenhum ruído em ISO 12800 se eu não me importo com ruído? De que adianta comprar uma câmera porque ela tem 200 pontos de foco ao invés de 8… Se eu só uso um? De que adianta eu querer uma câmera que seja full frame se isso nunca fez diferença na minha vida?
Quem gosta de fotografia normalmente tem como objetivo fazer fotografias, e não imagens aleatórias de qualidade gráfica incrível.
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O papo só é repetitivo porque precisa: na televisão, vemos trocentas propagandas, diariamente, nos dizendo o tempo todo que precisamos comprar algo para sermos melhores. E olha que a televisão é só uma parte do problema. Se queremos realmente acreditar que não precisamos, é preciso repetir para nós mesmas: “Não, eu não preciso.”